O
primeiro longa do pernambucano Daniel Aragão estreia hoje em Fortaleza, nos
cinemas do Dragão do Mar, com uma história de amor que vira pretexto para
mudanças. Anexado no cenário cinematográfico
atual de Recife, o filme compartilha de vários elementos narrativos de
produções realizadas no nicho pernambucano.
“Going back to my roots”, é assim que se resume o primeiro longa do
pernambucano Daniel Aragão. Assim como na musica do norte-americano Lamont Dozier, que integra quase como um hino na
trilha sonora, o filme faz uma passagem pela relação “homem e meio” a bordo de
uma paixão entre um rapaz que trabalha em uma empresa de demolição em Recife e
uma moça que estuda para ser pianista e não tem medo de instabilidades.
O filme é uma
obra com fatores biográficos do diretor que talvez pelo fato da pessoalidade
bem estabelecida, ele (o filme) se firme com uma identidade concreta para quem
assiste. Daniel se dedicou a história quando entendeu o sofrimento que sua avó
teve quando sua fazenda foi desapropriada em 2007. Filho de engenheiro, o
diretor conhece o ritmo e a maneira que a cidade de Recife cresce, foi então
que ele decidiu unir essas relações que a maioria dos habitantes da capital tem
com o interior, com a falta de cuidado do passado.
Boa Sorte, Meu Amor é muito
assimilado, com os traços urbanos retratados na cidade de Recife, com O Som ao
Redor, de Kleber Mendonça Filho, mas apesar das semelhanças de pensamento dos
dois diretores, e de muitos cineastas pernambucanos, o filme não se utiliza concretamente
de outras obras para se construir. É possível perceber uma similaridade entres
as recentes produções pernambucanas, como Febre
do Rato, Era Uma Vez Eu Verônica,
O Som ao Redor, que apesar de terem
um destaque maior que o filme de Daniel, não tornam Boa Sorte, Meu Amor uma cópia. Pelo
contrário, a obra de Daniel é tanto quanto autoral e vivenciada.
Dividido em 3
atos, VOCÊ É O QUE VOCÊ PERDE, ENCONTREI UM NOVO ALGUÉM e DE VOLTA AS RAÍZES, o
filme conta o resultado do encontro de Dirceu e Maria em um momento em que
ambos precisam, mas não querem, de alguma desculpa para sair de onde estão ou
resolver o que eles achavam estar resolvido.
Os dois se conhecem
em Recife, cidade que o filme mostra se transformando cada vez mais por conta
das intervenções imobiliárias. A troca do antigo desgastado pelo vertical
moderno é o ponto da temática. Assim como na cidade essa troca do passado e dos
ambientes de origem dos dois personagens também são evidentes, seja de maneira
renegada ou não esclarecida.
Dirceu vem do
interior, de uma família de posses e de passado hostilizado pelo pai, que
trocou o campo pela cidade por não suportar o ambiente campestre e suas
delimitações. Com essa imagem borrada pelo pai, Dirceu tem suas lembranças como
souvenirs que não lhe servem de nada a não ser como meras recordações que
explicam seu passado, mas essas relações mal resolvidas dentro do personagem começam
a vir a tona quando ele se ver obrigado a retornar a uma cidade do interior em
busca de sua grande paixão. Ao chegar no ambiente interiorano de Águas Belas,
ele se depara com o choque de cultura do lugar, mas se impõe de maneira superior
colocando em prática suas cordialidades e imposições demonstrando a sua
diferença de postura diante aquele lugar e as pessoas que considera inferior. Após
ser sugado pelo calor e pelo cansaço da procura por Maria, ele acaba cedendo à
atmosfera do lugar e a partir daí permite a entrada dos valores antropológicos que
as casas, as arvores, o lago e a terra o margeavam desde sua chegada.
Essa mudança
também acontece para Maria, (a heroína da história, como disse o diretor na pré
estreia do filme em Fortaleza) uma bela garota que se mostra ativamente atuante
em sua vida, que não ojeriza tanto suas origens, também interioranas, e que tem
certeza do que não precisa para conquistar o que quer. Ganhando a vida com pequenos
bicos na cidade, ela estuda música e pretende se tornar pianista. Segura do que
quer, e ainda mais do que não quer, a personagem faz escolhas indiferentemente
das instabilidades que elas causarão. Mas após um fato decorrido da sua relação
com Dirceu, suas vontades de voltar atrás de algumas escolhas acabam padecendo
e ela acaba fugindo para Águas Belas em busca da resolução para essa que seria
a sua maior instabilidade.
O filme é rodado
em preto e branco e possui uma textura e iluminação perfeitamente sincrônica com
o ritmo e essência da história. Além da trilha sonora e da escolha dos atores,
a fotografia regida por Pedro Sotero é sublime e crucial para a “pancada” do
filme. A escolha por um plano de zoom vagaroso e close-up deixaram a obra ainda
mais autoral, apesar desse ponto poder levar o publico ao cansaço, mas a
dosagem utilizada quase chega nesse limite. Há também algumas marcas pop nas
composições dos planos, como em outros planos de zoom bem rápidos focando os rostos
dos personagens, marcas essas retiradas de filmes dos anos 70, os favoritos do
diretor. Os planos em sequência também foram bem utilizados no filme, exigindo
mais dos atores que passam uma cena inteira numa fala direta sem cortes.
A trilha sonora é
um dos pontos altos do filme, se a fotografia deu corpo à obra, a trilha deu a
sua alma. Daniel Aragão é apaixonado por musica e se utiliza delas para ajudar na
composição de roteiros, e essa composição musical precisava estar presente no
seu primeiro longa. Para montar a trilha o diretor contou com a ajuda do
musico finlandês Jimi Tenor que por via e-mail compôs a sonora do filme. As musicas
que são os porta estandartes do longa são I
Don't Need You Around, de Jackie Wilson, embalando os momentos de exaltação que
Dirceu tem por Maria, e Going
To My Roots, de Lamont Dozier que vem rasgando tudo quando toca. Essa ultima
o diretor recebeu de um primo no enterro de sua avó, em 2003, e não poderia
deixar de fazer parte do filme.
Daniel Aragão já dirigiu
quatro curtas, A Conta-Gotas (2006), Uma Vida e Outra (2007), Solidão Pública (2008),
Não me Deixe em Casa (2009) e foi assistente de direção em Aspirinas e Urubus,
de Marcelo Gomes. Boa Sorte, Meu Amor
foi ganhador de melhor filme do júri jovem do 65º Festival Internacional de
Locarno e de melhor direção e som no 45º edição do festival de Brasília.
Atualmente o diretor está em pré-produção no se novo longa, Prometo um Dia Deixar Essa Cidade.
O diretor Daniel Aragão. |